Palavra do Bispo

Precisamos de uma virada na sociedade

Para se alcançar a virada civilizatória, um ponto de partida é cada pessoa reconhecer-se como um coração da paz

Incontáveis exigências de mudanças profundas marcam o mundo atual e criam ambiente favorável para uma virada civilizatória. O cenário contemporâneo atrai a atenção e é objeto de análises complexas, cientificamente sofisticadas, que permitem diferentes leituras. Parece importante alimentar a convicção e a interpelação para uma incontestável urgência de mudanças de paradigmas, sob pena de avolumarem-se as “falências” que já estão se manifestando. Um conjunto de perdas que impõe dificuldades sérias à vida contemporânea, mesmo com tantos avanços tecnológicos e outras facilidades conquistadas pela humanidade.

Essas “falências” já são muitas e incluem a violência crescente, o descaso social que perpetua a exclusão, a corrupção e o enfraquecimento de instituições que, ao perderem credibilidade, não conseguem oferecer contribuições que são demandadas por seu campo próprio de atuação. As perdas, obviamente, incidem sobre a vida de cada pessoa e produzem crises muito sérias. No ambiente institucional, por exemplo, há uma carência de lideranças qualificadas. Além disso, há também os que buscam apenas se servir, como hospedeiros, das instituições, sem oferecer contribuições para que elas ajudem a dar novos rumos à sociedade. Ocupam cargos exclusivamente para sentir a satisfação de exercer o poder.

Para se alcançar a virada civilizatória, um ponto de partida é cada pessoa reconhecer-se como um coração da paz. Incontestavelmente, essa mudança interior pode impulsionar grandes transformações, fazendo surgir um movimento contrário à crescente perda do sentido de respeito ao outro, que compromete o indispensável humanismo social, sustentáculo para uma sociedade que urge a recuperação do equilíbrio solidário. Basta observar o número de homicídios, em condições e por motivações variadas, que desenham um ambiente de guerra, para ter certeza que hoje esse equilíbrio está perdido.

O indispensável tratamento sistêmico da segurança e da superação da violência, em vista de uma significativa virada civilizatória, não pode desconsiderar a sacralidade do respeito a cada pessoa, que é vetor na promoção da paz. Esse é um caminho cuja dinâmica pode superar irracionalidades e falta de sentido. Permite reconquistar uma lógica moral indispensável para iluminar a existência humana, tornar possível o diálogo afetuoso e solidário entre as pessoas e povos. A consideração da dignidade de cada pessoa, à luz de uma equilibrada consciência da própria dignidade, é caminho inigualável no enfrentamento das injustiças e desigualdades que tragicamente afligem a humanidade.

Na contramão dessa trajetória, está a indiferença que cega e faz perder a sensibilidade social, incapacitando os cidadãos na percepção das terríveis desigualdades, como o acesso aos bens essenciais e aos direitos humanos básicos. A fórmula para superar a globalização da indiferença inclui um componente de elementar importância, a ser aprendido, ensinado e renovado nas consciências: o reconhecimento que na essência somos todos iguais. Isso só é possível quando se alcança o sentido de transcendência da dignidade humana. A consideração da igualdade comum entre as pessoas é um facilitador eficaz para promover uma virada civilizatória. Trata-se de antídoto para a cristalizada consciência social e política que permite a convivência vergonhosa com a miséria de muitos, atribuindo sempre a outros a responsabilidade e a tarefa de mudar a realidade. Uma percepção que gera acomodações, impede a partilha e coloca em risco a paz.

Vale lembrar que não são somente os excluídos, os mais pobres, que sofrem com a falta de paz. Todos, hoje, estão permanentemente ameaçados pela insegurança crescente. Conclui-se que uma virada civilizatória supõe investir na ecologia da paz, que abrange a permanente busca pela superação de todo tipo de desprezo. Indispensável nesta evolução é a superação de visões redutivas do ser humano, que comprometem diálogos autênticos, fonte de posturas autoritárias, manipuladoras, e que fragilizam cada pessoa diante da opressão e violência. A defesa e o respeito à transcendência do significado de cada ser humano – inspirando gestos, intervenções firmes de governos, participação incidente de instituições – são indispensáveis neste inegociável investimento de trabalhar por significativas viradas civilizatórias.


Dom Walmor Oliveira de Azevedo

O Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, é doutor em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana. Atual membro da Congregação para a Doutrina da Fé e da Congregação para as Igrejas Orientais. No Brasil, é bispo referencial para os fiéis católicos de Rito Oriental. http://www.arquidiocesebh.org.br